Os quatro segredos da gestão eficaz
Pesquisa exclusiva revela a combinação que abre as portas para melhorar cada vez mais o desempenho da escola
Duas escolas com alunos de perfil socioeconômico e cultural semelhante e pertencentes à mesma rede de ensino nem sempre têm o mesmo desempenho nas provas de avaliação externa. O que ocorre em cada uma delas para justificar a diferença? Por acreditar que é a gestão escolar que garante um resultado melhor (ou pior), a Fundação Victor Civita (FVC) realizou o estudo Práticas Comuns à Gestão Escolar Eficaz, com patrocínio da Abril Educação-Ser, do Instituto Unibanco e do Itaú BBA.
Entre abril e setembro, 14 pesquisadores coordenados pelo cientista político Fernando Luiz Abrúcio, professor de Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas (FGV), de São Paulo, estudaram dez escolas em quatro municípios de São Paulo. Para chegar a elas, foi utilizado um modelo estatístico criado por Francisco Soares, da Universidade Federal de Minas Gerais (leia mais no quadro abaixo).
Divididas em pares (duas unidades em condições semelhantes, mas com resultados diferentes na Prova Brasil), elas foram visitadas e analisadas, e a conclusão é que, sim, as que têm uma gestão mais eficaz são as que obtêm notas melhores. Segundo o estudo, são quatro os "segredos" da boa gestão escolar, aspectos que podem ser replicados em todo o país para melhorar a aprendizagem.
BOA FORMAÇÃO
Além da graduação
Gestor se destaca ao buscar capacitação para melhorar o trabalho pedagógico
As cinco escolas com resultado superior a seus "pares" no estudo Práticas Comuns à Gestão Escolar Eficaz têm diretores com cursos de especialização em Gestão, Administração Escolar ou Pedagogia, que dizem buscar experiências de bom êxito dentro e fora da rede e são bem informados sobre o que acontece na comunidade e no mundo.
Cultivar esse "capital humano", explicam os pesquisadores, é imprescindível para o trabalho de qualquer gestor escolar porque fornece informações e ferramentas de articulação dos conhecimentos teóricos e práticos e porque o capacita a usar instrumentos de gestão mais efetivos. "Todo bom profissional deve ser gerente do próprio desenvolvimento", afirma Maria Aglaê de Medeiros, mestre em Educação pela Universidade de Brasília (UnB).
Porém a maioria dos diretores entrevistados pelo Ibope aponta uma contradição quando questionada sobre a própria formação inicial: muitos consideram que a faculdade foi boa, mas não os preparou para a realidade de comandar uma escola (confira os números no quadro abaixo). Uma vez no cargo, os cursos de capacitação em serviço oferecidos pelas redes, geralmente focados em conteúdos da gestão administrativa e financeira, também não se revelam suficientes para melhorar o desempenho à frente da equipe.
93% consideram a primeira graduação boa ou ótima.
Porém... 45% afirmam que essa formação inicial não foi adequada à prática como gestores.
O diretor e a qualidade da formação
Os gestores de escolas públicas entrevistados pelo Ibope mostram estar bastante satisfeitos com a primeira graduação que fizeram: 93% consideram a formação inicial boa ou ótima. Contudo, apenas 45% afirmam que ela não foi adequada à prática como diretor escolar e que a realidade oferece questões bem diferentes para serem resolvidas. Quem hoje está no cargo busca apoio para exercer melhor a função em programas oferecidos pelas redes de ensino das secretarias da Educação e pelo MEC: 82% declaram ter feito algum curso ligado às práticas de gestão escolar de 2006 para cá - sendo que 59% afirmam ter frequentado até três nesse período (daí percebe-se como é recente a atenção dada a essa área). Apesar disso, 20% ainda se sentem impotentes frente às necessidades e carências da escola que comandam.
Fonte FVC/Ibope
82% já fizeram cursos específicos de gestão escolar. Porém 20% ainda se sentem impotentes frente às necessidades e carências da escola.
Segundo os especialistas ouvidos por NOVA ESCOLA GESTÃO ESCOLAR, o ideal seria que os diretores tivessem encontros periódicos com seus pares, com supervisão, para refletir sobre os problemas reais da escola ou, como sugere Marcelo Soares, diretor de políticas de formação do MEC, com a própria equipe, dentro da escola.
Na busca por mais qualificação, que tipo de curso você deve procurar? Há muitas opções, mas mesmo analistas com trajetórias diferentes, como o pedagogo Vitor Paro, da Universidade de São Paulo (USP), e o administrador Mário Aquino, da FGV, concordam num ponto: o que realmente importa é focar o pedagógico. Cabe ao gestor conhecer profundamente os propósitos educativos e as relações entre o ensino e a aprendizagem. Do contrário, todo o trabalho fica comprometido. Por isso, há tanta gente que defende que, antes de assumir a direção, o profissional tenha experiência dentro da sala de aula.
Além disso, afirmam os especialistas, ganha quem procura conhecimentos de áreas não diretamente ligadas à escola, mas presentes nela, como a Sociologia e a Antropologia (que ajudam a entender a dinâmica das relações que se estabelecem dentro e fora da sala de aula e muitas vezes apontam caminhos para entender os conflitos e buscar soluções).
Portanto, se você tem a intenção de melhorar a sua formação, procure:
- Informar-se sobre os cursos oferecidos pela rede e pelo MEC.
- Criar uma rede de relacionamento com outros diretores de unidades próximas, que permita a troca de experiências e informações.
- Fazer reuniões com professores e funcionários para refletir sobre o cotidiano escolar.
- Dominar os propósitos educativos da escola e criar condições para que eles sejam atingidos.
- Ler textos relacionados a outras áreas (como Sociologia, Antropologia, Economia e Administração), que ajudem a entender o cotidiano da escola.
- Conversar com as famílias e lideranças locais, para se manter informado sobre os principais acontecimentos da comunidade que possam ter reflexos na escola e no comportamento dos alunos.
"Sou graduado em História e pós-graduado em Administração Escolar. Depois de 12 anos de Magistério, passei para o cargo de diretor e estou há 18 anos nessa função. Contudo, nunca parei de buscar formação. Nesse tempo todo, frequentei mais de 30 cursos de especialização em áreas que vão de Educação Fiscal a temas relacionados à formação de professores, o que me ajuda a acompanhar o trabalho do coordenador pedagógico. Foram os conhecimentos que construí com esses cursos que me ajudaram a desenvolver algumas habilidades pessoais importantes para quem está na função de gestor, como a capacidade de compartilhar idéias e liderar equipes, além de conhecer procedimentos técnicos que ajudam na área financeira. Também entrei em contato com experiências que me permitem fazer propostas para melhorar a formação dos professores. Talvez, por causa dessa experiência aliada a uma base teórica, eu seja escolhido pela Secretaria para dirigir escolas 'difíceis', pois procuro construir instrumentos de gestão adequados para cada realidade."
Marcos Vinícius Bezerra é diretor da EE Ministro Jarbas Passarinho, em Camaragibe, PE.
VISÃO INTEGRADORA
O olhar sobre o todo
Unir diversas áreas de atuação é uma das quatro práticas que fazem a diferença
Ter domínio sobre questões financeiras e produzir planilhas e balancetes é uma prática necessária a um bom gestor escolar. Porém, se não vierem acompanhadas de outras preocupações com o que acontece na escola, essas habilidades perdem o sentido. "O olhar dele deve recair sobre todos os aspectos da vida escolar e o grande desafio é conseguir estabelecer relações entre as áreas para que os alunos avancem", afirma Leunice Oliveira, coordenadora da especialização em Gestão da Educação da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
A pesquisa da FVC comprovou que as instituições com melhor desempenho são aquelas em que os diretores são capazes de unir oito áreas de atuação:
- Gestão pedagógica,
- Gestão administrativa,
- Gestão financeira,
- Gestão da infraestrutura,
- Gestão da comunidade,
- Gestão de relações pessoais,
- Gestão dos resultados escolares e
- Gestão do relacionamento com a rede.
"Construir essa visão integradora significa entender que cada uma das áreas não é um fim em si mesma, mas um meio de fazer a escola cumprir seus objetivos", explica Mário Aquino, da FGV. Ao estabelecer rotinas e atividades coordenadas e relacioná-las com as metas, o diretor começa a criar a cultura de eficiência. A instituição que tem um projeto pedagógico construído coletivamente tem uma vantagem: os propósitos educativos e as metas estão definidos no documento - e ambos são conhecidos de todos, o que facilita atrelar novas ações aos propósitos educativos.
Um ponto importante para desenvolver a visão integradora é compreender que a escola pública faz parte de um sistema maior. "O fato de pertencer a uma rede exige que ela se adapte às políticas públicas. Além disso, existe uma comunidade dentro e ao redor dela, que precisa estar comprometida com o trabalho pedagógico. Sem a reflexão sobre esses elementos, a gestão deixa de representar as necessidades dos alunos e se torna cada vez mais burocrática", acredita Márcia Ângela da Silva, professora da Universidade Federal de Pernambuco.
No entanto, os números da pesquisa do Ibope que revela o perfil do diretor escolar mostram que isso está longe da realidade: apenas 13% dos entrevistados afirmam que observar todos os ambientes da escola é uma característica de um bom gestor e só 4% compartilham assuntos de gestão com a comunidade escolar (leia mais no quadro abaixo).
13% afirmam que observar todos os ambientes da escola é característica de um bom gestor.
4% dizem que compartilhar a administração com a equipe é fundamental para exercer bem a função.
40% se reúnem com o coordenador pedagógico só uma vez por semana.
Porém 45% tratam de questões administrativas e burocráticas todos os dias.
O diretor e a visão integradora
Os diretores brasileiros estão longe de ter uma visão global da escola. O espaço da agenda destinado à gestão administrativa ainda é bem maior do que o reservado aos outros campos: 45% afirmam lidar com questões burocráticas todos os dias, enquanto reuniões com o coordenador são realizadas com frequência bem menor (40% fazem isso uma vez por semana, e 38%, uma única vez por mês!). O conhecimento sobre a comunidade, básico para enxergar a escola como parte de um sistema, é citado por apenas 6% dos entrevistados como sendo uma atribuição do diretor competente. Para integrar as diversas áreas, é preciso conhecê-las, mas somente 13% afirmam que observar todos os ambientes escolares é uma característica de um bom gestor e míseros 4% mencionam que compartilhar a administração com outros atores é uma boa prática.
Fonte FVC/Ibope
Passar a ter essa visão integradora, portanto, exige procurar uma formação teórica sólida, que propicie mais conhecimento sobre as várias áreas da gestão e dominar os instrumentos que permitam analisar a realidade escolar dentro e fora dos muros.
Para enxergar a escola em sua totalidade, procure:
- Observar o movimento da escola no dia a dia para analisar o clima entre alunos, professores e funcionários e estar sempre atento aos sinais que mostrem que algo não corre bem.
- Montar um quadro com as oito áreas da gestão, prevendo rotinas e anotando os principais processos relacionados a cada uma delas e os profissionais envolvidos na realização das tarefas.
- Questionar as ações, os procedimentos e as novas propostas para se certificar da relação de cada projeto com os propósitos maiores da escola.
- Construir e avaliar com a equipe, ao longo de cada ano, o projeto pedagógico da escola. Ele deve conter as metas da instituição e projetar ações e caminhos para atingi-las. Dentro de cada área da gestão, é essencial prever as atividades necessárias, as condições e o tempo para executá-las.
- Solicitar que todos os funcionários façam uma lista das atividades cotidianas para poder discutir com eles os desvios de função e sugerir novas formas de organização do trabalho em função das reais necessidades da comunidade escolar.
Solução total
"Mesmo tendo 19 anos de experiência em sala de aula e seis como diretora, quando assumi o atual cargo, em 2005, me senti perdida. A escola tinha um histórico de violência e alta evasão e muitos alunos com baixo desempenho. Eram tantos os problemas que ações isoladas não iam resolvê-los nem evitar que voltassem a ocorrer. Minha primeira ação foi investir na gestão da comunidade, para trazer melhorias em todas as outras áreas. Mobilizei o conselho escolar para elaborarmos juntos projetos de adequação da infraestrutura, como a construção de um muro. Com o grêmio, montamos um programa em que os alunos mais atuantes vão à casa dos colegas que faltam muito para saber o que está acontecendo. A gestão pedagógica foi beneficiada com essas ações - e com a estruturação de um núcleo de atendimento aos estudantes com dificuldade de aprendizagem. Uma das grandes satisfações que tive foi ver meu trabalho reconhecido ao ser reeleita para o cargo, em abril, com 97% dos votos."
Maria Greoleide Alves é diretora do CAIC Maria Felícia Lopes, em Fortaleza, CE
METAS DE APRENDIZAGEM
Notas para refletir: A gestão funciona quando a avaliação externa impulsiona a aprendizagem
Recentes no cenário educacional brasileiro, as avaliações já aparecem entre os principais interesses dos gestores escolares - que, ao ver sua instituição em posição não confortável em relação à rede, se sentem incomodados e começam a trabalhar para reverter a situação. Nas dez unidades visitadas durante o estudo das práticas eficazes de gestão, os pesquisadores detectaram grande interesse das equipes em melhorar esses indicadores.
Nas escolas mais bem avaliadas, os resultados da Prova Brasil e do Ideb são compartilhados com a equipe e estão afixados em local visível a todos. Só essa atitude pode ser apontada como um diferencial no desempenho dos alunos. Porém nenhum gestor conhece com clareza os indicadores que compõem a nota, o que impede que haja uma mobilização real em projetos que melhorem a aprendizagem.
Essa conclusão é amplamente confirmada pelos números da pesquisa do Ibope (como mostra o quadro abaixo). "A nota obtida pela escola nesses exames serve para levar toda a comunidade à análise e ao questionamento", afirma Jussara Hoffmann, autora de livros sobre a relação entre provas e aprendizado. É preciso que a equipe gestora identifique as competências em que os alunos foram bem avaliados e quais são os objetos de ensino que precisam ser trabalhados com os professores para que esse desempenho melhore cada vez mais.
22% citam as avaliações externas como um dos principais avanços da Educação.
Porém 36% não conhecem o Ideb da escola que dirigem.
O diretor e as metas de aprendizagem
As provas realizadas pelas redes ou pelo MEC para medir o desempenho dos alunos e das escolas foram o segundo item mais citado pelos gestores escolares como a medida de maior impacto positivo na Educação nos últimos dez anos (só perdem para os cursos de formação de professores, citado por 30% dos entrevistados pelo Ibope). Porém 36% dos diretores admitem não conhecer a nota da própria escola, o que mostra o descaso com a informação. A maioria (61%) reconhece a importância da avaliação externa. Mas, na hora de atribuir a responsabilidade pelo desempenho no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), o governo aparece em primeiro lugar, com 58%; a comunidade em segundo, com 16%; o professor, o aluno e a escola em seguida, com 13%, 9% e 7%, respectivamente; e, numa demonstração de corporativismo, o próprio diretor só é visto por 2% dos entrevistados como responsável, como se não fosse ele o principal líder da escola.
Fonte FVC/Ibope
61% acham que as avaliações externas são importantes para a escola. Porém 2% reconhecem que o diretor é responsável pela nota baixa da escola no Ideb.
Cabe ao diretor analisar se o ambiente escolar é propício ao desenvolvimento das crianças e dos jovens e se há materiais diversificados. "Na maioria das vezes, a resposta vai ser 'não'. E aí começa o trabalho para melhorar as condições da escola e a formação docente", diz Jussara.
Cleuza Repulho, ex-diretora de Programas de Fortalecimento Institucional e Gestão de Sistemas do MEC e atual secretária de Educação de São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, acredita que as avaliações externas também são úteis para que os gestores escolares busquem referências no entorno: "Como os dados são públicos, é perfeitamente possível entrar em contato com uma escola da vizinhança com a proposta de compartilhar projetos pedagógicos e práticas de gestão que possam ser adaptados às necessidades de sua unidade."
Outra vantagem das provas é que elas permitem enxergar os pontos fortes e fracos de cada escola e, com isso, revisar o projeto pedagógico com a ajuda da comunidade. "Muita gente não faz um diagnóstico realista da situação e acaba achando que está tudo bem. Esse olhar externo é uma nova oportunidade de mostrar a situação real e, com isso, promover mudanças necessárias", afirma Cleuza.
Para ficar atento às metas de aprendizagem e usar bem o resultado das avaliações, é aconselhável:
- Refletir sobre os objetivos da prova e procurar compreender o tipo de ensino que é preciso promover na escola para que os alunos adquiram as habilidades exigidas.
- Avaliar com a comunidade como se aproximar do perfil buscado pelos avaliadores.
- Organizar a infraestrutura adequadamente com base nas metas de aprendizagem.
- Entender os fatores que interferem nas notas das provas (evasão, repetência, ensino).
- Avaliar em que disciplinas ou séries estão localizados os piores resultados e quais são os motivos que levam a isso.
- Planejar a formação continuada dos professores com foco nas necessidades de aprendizagem dos estudantes.
- Criar condições de melhoria do aprendizado, planejando tempos maiores de formação da equipe docente ou revendo o currículo.
Base para mudar
"Fizemos a primeira Prova Brasil, em 2005, só por obrigação, porque eu já sabia que a escola não se sairia bem. Quando analisei as questões, percebi que elas exigiam reflexão e relacionamento de informações e esse não era o foco do ensino que oferecíamos. Isso foi um alerta para nós. A maneira como nossos professores trabalhavam não correspondia aos parâmetros de qualidade exigidos. O resultado foi um choque: nota 3,5 no Ideb. Imediatamente, iniciamos um trabalho de reestruturação do currículo e de formação dos professores. Em 2007, nossa nota subiu para 3,7, um aumento pequeno, mas importante, porque nesse período incluímos estudantes com necessidades especiais - e todos participam do exame. Depois da segunda avaliação, passamos a fazer uma parada pedagógica quinzenal de duas horas (além dos encontros semanais por disciplina). Em maio e agosto, fizemos dois simulados disponíveis no site do MEC. Os resultados foram 4,2 e 4,6 e, por isso, estamos esperançosos de que esses números se repitam na Prova Brasil de verdade."
Elisangela Kraschimski Trentin é diretora da EMEF David Canabarro, em Canoas, RS.
CLIMA ORGANIZACIONAL
Um bom ambiente de trabalho
Coesão da equipe e comando claro são a base de um astral positivo
Um clima favorável. Essa é uma das características mais marcantes que diferenciam as cinco escolas com melhor desempenho analisadas no estudo feito pela Fundação Getúlio Vargas a pedido da FVC. Com base nas visitas, os pesquisadores concluíram que são três os elementos que ajudam a compor o bom clima organizacional. O primeiro é a coesão da equipe gestora, com o diretor e o coordenador pedagógico sempre presentes, entrosados e com discursos e práticas coerentes com os objetivos predefinidos. O segundo é o comprometimento de professores e funcionários com essas metas, medido pela reação positiva às propostas de mudança e ao trabalho coletivo. E, finalmente, a existência de um comando e uma organização que deixem evidentes as funções de cada um e respeitem a rotina escolar.
Pode parecer básico, mas nem sempre existe clareza sobre as atribuições de cada profissional na escola: às vezes, o coordenador pedagógico faz as tarefas que seriam da secretária ou até assume o papel do diretor, quando ele é ausente. A confusão também aparece quando o comando é disperso, e a rotina, desrespeitada. Quer um exemplo? Das 14 reuniões de horário de trabalho pedagógico coletivo (HTPC) acompanhadas pelos pesquisadores, apenas quatro tinham pautas relacionadas com as práticas de sala de aula. Ou seja, o tempo que deveria ser usado para discutir formas de ensinar é usado para falar sobre assuntos diversos, o que demonstra descaso, despreparo ou incapacidade de fazer o que precisa ser feito.
Para alcançar esses três elementos (espírito de coesão da equipe gestora, envolvimento de professores e funcionários e organização clara do trabalho), é preciso pôr em prática um tipo de gestão em que haja diálogo, participação nas decisões e atribuição de responsabilidades. "Quanto mais um profissional participa do planejamento, melhor ele executa as tarefas. Ao promover a participação de todos nos processos de discussão e decisão, o líder ganha aliados mais conscientes da necessidade de atingir os resultados combinados", afirma Maria Luiza Alessio, diretora de Fortalecimento Institucional e Gestão da Secretaria de Educação Básica do MEC.
Infelizmente, a leitura dos números da pesquisa do Ibope aponta para uma realidade distante do ideal. A maioria dos diretores não dá importância a atitudes que podem fazer dele um líder de fato (como mostra o quadro abaixo).
O diretor e o clima organizacional
Algumas atitudes que reforçam a posição de liderança e contribuem para a formação de um clima organizacional positivo ainda não são reconhecidas como tal por boa parte dos diretores. Questionados sobre as características do bom gestor, foi tímido o apoio às frases "incentivar o trabalho em equipe" (apenas 6%), "saber delegar" (4%) e "ter iniciativa para realizar projetos" (3%) - atitudes que ajudam a obter mais comprometimento de professores e funcionários. O fato de 5% concordarem que é preciso "ter organização no trabalho" revela que boa parte dos gestores não tem consciência de que a atenção à rotina escolar é um dos componentes do bom ambiente. A boa notícia é que as reuniões com funcionários são realizadas com certa frequência, assim como a revisão do projeto político pedagógico.
Fonte FVC/Ibope
85% promovem reuniões periódicas com os funcionários e... 99% revisam o projeto pedagógico pelo menos uma vez por ano. Porém 6% citam "incentivar o trabalho em equipe" como uma das características do bom gestor e... 2% incluem "saber delegar" entre as qualidades do diretor eficaz.
Por lei, já existem na organização escolar diversos fóruns que permitem a participação de todos (é o caso da elaboração do projeto político pedagógico, das discussões nos conselhos escolar e de classe e dos HTPCs). O que as pesquisas mostram é que falta usá-los corretamente e garantir, além da presença, o envolvimento da equipe.
Para isso, a equipe precisa se sentir apta a questionar e propor idéias, atitudes que serão mais frequentes quanto mais o gestor investir na formação permanente de suas equipes. "Isso também fortalece as relações de confiança e permite que o gestor delegue mais", afirma Adriana Cancella Duarte, professora do Departamento Escolar da UFMG.
Portanto, para promover um bom clima organizacional, é preciso:
- Organizar reuniões regulares com os envolvidos de cada setor para acompanhar, avaliar conjuntamente e discutir a melhor forma de trabalhar.
- Criar comissões de cogestão por área para ajudar na tomada de decisões.
- Planejar a formação permanente dos funcionários para que todos se sintam capacitados a atuar com autonomia.
- Respeitar as funções de todos, ajustando a rotina de forma a valorizar as ações que promovem a melhoria do aprendizado e excluindo as que não têm relação com os objetivos da escola.
- Envolver toda a comunidade escolar na discussão do projeto político pedagógico.
- Monitorar quanto tempo é gasto com cada atividade e tentar se reorganizar, para perder menos tempo com emergências. Reuniões regulares com os funcionários ajudam muito para isso.
- Montar um conselho gestor com representantes de vários setores para trocar idéias.
- Delegar o que pode ser delegado.
Comissões de apoio
"Trabalho na EE Caminho à Luz há 25 anos - nos últimos nove, como diretor. Nesse período, pude perceber que, quanto mais um funcionário participa do processo de discussão e de tomada de decisão, mais ele se dedica a obter bons resultados. Quando eu era professor, me lembro que as reuniões eram convocadas para que um falasse e o resto ouvisse. Quem discordava ficava quieto e, depois, claro, não cooperava. Quando assumi a direção, fiz questão de evitar isso. Por isso, pedi que os funcionários dessem sugestões sobre como resolver algumas questões e, ao perceber que os palpites foram bem recebidos, eles perderam o medo de se expor. Nos últimos anos, criamos várias comissões: de representantes de pais, de professores por disciplina, de funcionários por área etc. Hoje, conforme o tema a ser tratado, conversamos com cada uma delas. E, se aparece uma proposta com a qual eles não concordam e não há consenso, ela não é aprovada."
Fernando Davi Gomes Jardim é diretor da EE Caminho à Luz, em Belo Horizonte, MG.
Onde está o pedagógico?
Diretores ainda deixam a gestão da aprendizagem em segundo plano
Paola Gentile
As duas pesquisas encomendadas pela Fundação Victor Civita e apresentadas nas páginas anteriores trazem importantes revelações sobre o dia a dia de diretores escolares, mas o resultado mais importante (e preocupante) é justamente o que não aparece na fala dos entrevistados e na prática das escolas visitadas: a falta de foco no pedagógico. A preocupação com a aprendizagem dos alunos até aparece no discurso, mas o empenho e a dedicação a esse aspecto essencial da vida escolar são muito menores do que o mínimo desejado. O que se vê é uma boa intenção, que se dilui na rotina, dominada por atividades burocráticas, e administrativas e no atendimento de emergências (tanto no relacionamento com a comunidade como em questões de infraestrutura).
Segundo a pesquisa realizada pelo Ibope, 90% dos diretores dizem que sua principal preocupação cotidiana é a merenda. Em seguida, vêm questões como a falta de material pedagógico (63%), as condições do mobiliário (58%) e as questões administrativas e burocráticas (45%).
As reuniões com o coordenador pedagógico para discutir a formação de professores ou os resultados das provas são realizadas apenas uma vez por semana para 40% dos diretores e (acredite se quiser) uma única vez por mês em 38% dos casos - e, o que é ainda mais aterrador, 77% dos diretores estão satisfeitos com essa periodicidade. Questionados diretamente sobre essa questão, apenas 8% afirmaram sugerir ações para melhorar a qualidade do ensino e da aprendizagem. Qual é o papel que esses diretores acreditam desempenhar em sua escola?
O papel da escola
Questões relacionadas à melhoria da infraestrutura e à organização da escola como um todo são básicas e certamente importantes, tanto que o estudo conduzido pela Fundação Getúlio Vargas mostra que os gestores que fazem esse mínimo já conseguem um pequeno diferencial no desempenho dos alunos. Porém isso está muito longe do suficiente.
Para fazer uma gestão focada na melhoria da aprendizagem, é necessário ter bastante clareza sobre os propósitos educativos da escola - este é o verdadeiro papel social da escola: ensinar. Se você está à frente de uma instituição de Educação Infantil, é essencial saber quais os cuidados as crianças demandam para se desenvolver e o que elas precisam aprender para construir sua autonomia e adquirir o conhecimento do mundo. Se o trabalho é com alunos das séries iniciais do Ensino Fundamental, é crucial conhecer o que eles têm de aprender em cada série e disciplina e ter clareza sobre os objetivos dos diversos conteúdos, sejam eles curriculares, procedimentais ou atitudinais.
"Para fazer uma gestão focada na melhoria da aprendizagem, é essencial ter clareza sobre os propósitos educativos da escola."
Tudo isso deve estar previsto no projeto político pedagógico, documento que precisa ser construído juntamente com toda a comunidade (interna e externa) e tem como função especificar os objetivos em termos de formação do alunado. Só com a definição de aonde se quer chegar a equipe consegue projetar as ações ao longo do ano letivo - e o diretor pode definir quem assume a responsabilidade pelo acompanhamento e pela execução de cada projeto e lutar para garantir as condições necessárias para que eles se concretizem. Infelizmente, não é isso o que se vê nas redes públicas brasileiras.
O trabalho do bom gestor aparece quando ele coordena uma análise eficaz da situação da escola e organiza o que é preciso fazer para que ela atinja seus objetivos. Essa visão integradora (ou sistêmica) permite pensar em mudanças e mobilizar os envolvidos. Assim, se uma das metas é alfabetizar todos os alunos até o fim do 1º ano, o passo inicial é saber se os professores têm formação e preparo para tanto? Da mesma forma, cabe ao diretor entender se o coordenador pedagógico dispõe de um acervo de projetos e sequências didáticas para trabalhar com o corpo docente nos horários de trabalho coletivo. O mesmo vale para o material: ele é suficiente e de qualidade? O espaço está organizado para inserir os pequenos na cultura letrada? Se a escola não faz esse questionamento, não mobiliza conhecimentos da gestão da aprendizagem e da infraestrutura.
Outro exemplo possível é pensar que um dos propósitos educativos é o ensino do respeito aos indivíduos. Se esse é o caso de sua escola, não dá para imaginar que as merendeiras tratem as crianças de forma ríspida na hora das refeições ou que as obriguem a comer o que não querem, por exemplo.
Basta de apagar incêndios
Para manter certo distanciamento dos problemas - afastamento apenas suficiente para analisar melhor a situação e propor soluções, nunca para fugir da raia -, é essencial escapar de uma armadilha que diariamente se coloca no caminho de qualquer diretor: as emergências. Sim, é papel do gestor encontrar solução para a falta de professores e de material pedagógico ou ingredientes para a merenda, bem como para os pais que aparecem sem hora marcada. Mas é fácil perceber que esses e outros incêndios pipocam por falta de planejamento, de cultura de trabalho em equipe e de delegação de tarefas. Afinal, não é difícil ter um plano B para quando um docente se ausenta, fazer com que uma das merendeiras (ou alguém da secretaria) se encarregue de fazer o cardápio e garanta que as compras sejam efetuadas com antecedência - ou reservar um dia da semana para receber as famílias, sempre com hora marcada, para evitar desgastes de parte a parte.
Ao agir assim, sobra tempo para supervisionar as diversas áreas e, conhecendo-as melhor, relacioná-las diretamente à função primordial da escola: como já foi dito, garantir que todos os alunos aprendam. Sempre, é claro, contando com a ajuda da equipe: juntamente com o coordenador, buscar alternativas para melhor formar a equipe docente; ao lado do orientador educacional, correr atrás de soluções para integrar os estudantes com algum problema que afete seu desempenho; e, no trabalho com o supervisor da Secretaria de Educação, utilizar as soluções oferecidas pela rede ou pressionar para que as políticas públicas sejam voltadas para a resolução das questões educacionais mais prementes.
Já é consenso que a atuação do diretor é um dos fatores que mais influenciam a aprendizagem. Mas ainda há poucas pesquisas menos focadas em dados estatísticos do que na análise e no aprofundamento das experiências reais de escolas - como é o caso das Práticas Comuns dos Diretores Eficazes, da FVC, e de um estudo que está sendo conduzido pelo Ministério da Educação e pelo Banco Mundial, intitulado Melhores Práticas em Escolas Efetivas de Ensino Médio, que deve ser divulgado nos próximos meses. Eles lançam luzes sobre a realidade de nossa Educação e, assim, ajudam a mostrar aos profissionais que ocupam essa função tão importante (ou apenas estão começando no cargo) por que é imprescindível refletir e planejar mais - e experimentar menos.
90% dos diretores citam a merenda como a principal preocupação diária e apenas 8% declaram sugerir ações pedagógicas para melhorar a qualidade do ensino e da aprendizagem.
• Texto retirado da revista Nova Escola especial Gestão Escolar